quarta-feira, 29 de junho de 2011

Repensando a África através das Histórias em Quadrinhos

Presas por muito tempo a uma visão preconceituosa e pejorativa, as Histórias em Quadrinhos começam a figurar como linguagem respeitada nas áreas acadêmicas e pedagógicas, resgatando e redescobrindo as possibilidades didáticas que podem ser encontradas nas artes sequenciais. A virada do século observou as novas possibilidades que os quadrinhos representam na área do ensino, inserindo os quadrinhos na realidade das escolas brasileiras através da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) em 1996 e, mais recentemente, incluindo os quadrinhos no Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNBE).

Apesar do uso efetivo dos quadrinhos como objeto de estudos acadêmicos e pedagógicos ainda serem pouco explorados, eles podem representar uma eficiente plataforma para novas abordagens, servindo como uma excitante ferramenta para o aprendizado de temáticas africanas.




A LEI 10.639 E OS QUADRINHOS NO ENSINO DE HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRAS

A temática da História e Cultura Afro-Brasileira deve ser apreendida, “em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras”, de acordo com os termos da lei 10.639 - que inclui a temática de forma obrigatória nos currículos de nossas escolas. Devido suas características específicas, as histórias em quadrinhos são melhores aproveitadas nas escolas justamente nestas três áreas de educação, como podemos observar analisando os títulos selecionados pelo PNBE (onde observamos a presença de quadrinhos de caráter históricos e adaptações literárias). Apesar da suposta diversidade das histórias em quadrinhos que podem ser encontradas nas bibliotecas escolares, infelizmente poucas tratam diretamente da temática africana.

Ao contrário do que muita gente pode pensar essa escassez não pode ser explicada pelo mercado. Um número cada vez maior de quadrinhos sobre o assunto está sendo publicado, inclusive por editoras brasileiras, sejam quadrinhos nacionais ou não, sendo reservado pouco espaço para as publicações africanas propriamente ditas. De qualquer forma, as histórias em quadrinhos, africanas ou não, nos proporcionam uma novo diálogo com a “História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.” (lei 10.639)

AS HQs NACIONAIS: NOVAS ABORDAGENS DO NEGRO NO BRASIL

Existem ótimas publicações nacionais sobre a História da África e dos Afrodescendentes, inseridas dentro do contexto do quadro de luta e das conquistas recentes dos movimentos sociais acerca da representação do negro afrodescendente no Brasil.




Além de publicações de autores consagrados, como “Cai o Império: República vou ver!”, cujo roteiro é de autoria de Lilia Moritz Schwarcz e ilustrado por Angeli, podemos destacar algumas publicações mais recentes, como as ousadas e inovadoras Chico Rei, NoiteLuz.


Outras publicações refletem a participação governamental nas políticas de inserção do negro nos processos de formação nacional, com ênfase nas aventuras de personagens históricos, como Zumbi e João Cândido. Outro quadrinho que sem dúvida merece destaque é a adaptação do clássico Casa Grande & Senzala de Gilberto Freyre, de 1981, que recentemente ganhou uma edição colorida.




A ÁFRICA SELVAGEM DAS HQs ESTRANGEIRAS



Muitas obras estrangeiras onde figuram a temática e o cenário africano também despertaram o interesse das editoras brasileiras, embora muitas vezes as representações eurocêntricas e até mesmo preconceituosas de certos autores possam representar um perigo se não forem devidamente contextualizadas, podendo servir como uma crítica ao pensamento da época.

O clássico Tintin no Congo, ilustrado pelo belga Hergé, quando o autor tinha apenas 23 anos, é um exemplo escrachado da visão imperialista vigente na década de 30, quando o gibi teve sua primeira publicação. Devido ao seu conteúdo francamente racista e colonialista, o álbum chegou até mesmo a sofrer um processo no tribunal Belga. Porém isto não significa que todas as publicações estrangeiras sejam preconceituosas e limitadas à África exótica de Tarzan ou Fantasma: basta citar, entre uma infinidade de bons títulos, as obras do mestre Will Eisner sobre contos africanos.

A AFRICA DESENHADA PELOS PRÓPRIOS AFRICANOS


Pouca atenção, contudo, têm se dado no Brasil aos quadrinhos produzidos neste imenso continente que é a África, composto de 52 países multifacetados, de uma diversidade cultural única. Entretanto o mercado africano de história em quadrinhos apresenta uma produção marcante, uma vez que foram amplamente utilizados na conscientização política e em campanhas sociais durante e após os recentes processos de independência dos diversos países africanos, principalmente ex-colônias francesas e portuguesas.

Ultimamente muitas associações tem desempenhado um papel importante no incentivo à leitura e produção de histórias em quadrinhos africanas, como a BéDAFRIKA, a AfriBD, a AfroBulles e a World Comics. Infelizmente, as publicações africanas raramente figuram nos acervos das editoras brasileiras, sendo raras as exceções como Aya de Yopougon. O acesso aos quadrinhos africanos ficam praticamente restrito à títulos importados, como a fabulosa antologia Africa Comics.

As Histórias em Quadrinhos representam, hoje em dia, um importante veículo de informação e expressão artística e política, sendo hoje objeto de diversos estudos. Novas abordagens dos quadrinhos em ramos como o jornalismo, a história, a literatura, a sociologia, a propaganda e até mesmo a filosofia são sinais claros da importante contribuição que esta linguagem pode oferecer para a História e Cultura Afro-Brasileira. O incentivo do governo, o mercado editorial e os estudos sobre quadrinhos formam uma corrente em constante crescimento, proporcionando novas abordagens para professores e alunos repensarem a África.

Um comentário:

  1. Como faço para conseguir referências biográficas para escrever sobre diversidade étnicas e quadrinhos?

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